Atualizado em 7 abr, 2025 -

Desvio de função CLT: o que é, consequências e 3 exemplos

Homem atarefado e sobrecarregado com responsabilidades.

O desvio de função é uma situação frequente no mercado de trabalho brasileiro, mas que muitos trabalhadores desconhecem ou não sabem identificar corretamente. 

Se você está exercendo atividades diferentes daquelas para as quais foi contratado, pode estar vivenciando um desvio de função. Entender esse conceito é fundamental para proteger seus direitos trabalhistas e buscar as compensações adequadas. 

Neste artigo, vou explicar de forma clara o que é o desvio de função, como identificá-lo, quais são seus direitos, alguns exemplos reais e como proceder caso esteja passando por essa situação.

Sumário

O que é desvio de função?

O desvio de função ocorre quando um trabalhador passa a exercer atividades diferentes daquelas para as quais foi originalmente contratado, mesmo que esse combinado tenha sido feito apenas verbalmente. Em termos simples, é quando seu contrato diz uma coisa, mas, na prática, você faz outra completamente diferente.

Esta situação caracteriza-se pela incompatibilidade entre o que foi combinado (ainda que verbalmente) e as atividades efetivamente desempenhadas pelo empregado.

Quando você é contratado por uma empresa, é comum que o empregador defina quais serão suas atribuições. Isso pode ser registrado em contrato, na carteira de trabalho (CTPS), ou simplesmente comunicado verbalmente.

É importante distinguir o desvio de função de situações temporárias ou pontuais. Substituir um colega durante suas férias ou ajudar em um projeto específico por alguns dias não configura desvio funcional. No entanto, nesses casos, o trabalhador tem direito a receber o salário correspondente ao cargo que está substituindo, além da anotação dessa substituição na carteira de trabalho, conforme previsto na legislação trabalhista.

Essa prática representa uma alteração unilateral do contrato de trabalho, o que é vedado pela legislação trabalhista brasileira e pode gerar direito a compensações financeiras para o trabalhador.

O que caracteriza desvio de função

Para identificar corretamente se você está em situação de desvio de função, é necessário observar alguns elementos fundamentais que caracterizam essa prática irregular. Não é qualquer mudança nas suas atividades que configura um desvio, existem critérios específicos a serem analisados.

Permanência da atividade

O desvio se configura quando o exercício das funções diferentes daquelas contratadas ocorre de forma contínua e não meramente esporádica. 

Diferença substancial entre as funções

As atividades que você passou a desempenhar devem ser substancialmente diferentes daquelas para as quais foi contratado. Não se trata de pequenas variações nas atribuições, mas de tarefas que correspondem claramente a outro cargo ou função. A incompatibilidade entre o contrato e a prática deve ser evidente e significativa.

Ausência de adequada remuneração

Quando você passa a desempenhar tarefas de maior complexidade, responsabilidade ou que exigem conhecimentos técnicos específicos sem receber a contrapartida salarial correspondente, configura-se o desvio.

Ausência de formalização contratual

Se as novas responsabilidades não foram acordadas formalmente entre as partes, mediante aditivo contratual ou registro na carteira de trabalho, há indícios de desvio funcional.

Desvio de função na CLT

Embora a CLT não mencione especificamente o termo “desvio de função”, ela estabelece regras claras sobre alterações contratuais que protegem os trabalhadores nessas situações.

O principal fundamento legal está no Artigo 468 da CLT, que estabelece: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”.

Isso significa que:

  1. Qualquer mudança no seu contrato de trabalho precisa ter seu consentimento
  2. Mesmo com seu consentimento, a mudança não pode prejudicá-lo
  3. Se uma alteração for feita sem seguir essas regras, ela pode ser considerada inválida

Além disso, aplicam-se subsidiariamente às relações de trabalho o artigo 884 do Código Civil, que veda o enriquecimento sem causa, e o artigo 927, que obriga a reparação do dano causado por ato ilícito.

No campo jurisprudencial, a Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-1 do TST determina que:

  • “o simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF”.

Desvio de função vs. acúmulo de função

É comum haver confusão entre desvio de função e acúmulo de função, mas são situações distintas com características e consequências diferentes.

Diferenças conceituais

No desvio de função, você deixa de realizar as atividades para as quais foi contratado e passa a desempenhar funções completamente novas, que correspondem a outro cargo ou qualificação. Por exemplo, um auxiliar administrativo que passa a atuar exclusivamente como técnico de TI, abandonando suas funções originais.

Já no acúmulo de função, você continua realizando suas atividades originais, mas passa a acumular também outras atribuições adicionais. Por exemplo, um vendedor que mantém suas funções de vendas, mas também passa a gerenciar o estoque da loja.

Implicações práticas

  • No desvio de função, você tem direito às diferenças salariais entre o cargo contratado e aquele efetivamente exercido.
  • No acúmulo de função, você tem direito a um adicional pela sobrecarga de trabalho, mantendo a remuneração base do cargo original.

Para identificar qual é seu caso, pergunte-se: “Ainda exerço as funções para as quais fui contratado?” Se a resposta for não, provavelmente é um caso de desvio de função. Se a resposta for sim, mas você também faz outras coisas, pode ser um caso de acúmulo.

Negociação com a carteira de trabalho em mãos.

Exemplos de desvio de função

Vamos conhecer alguns casos emblemáticos onde empregados conseguiram comprovar o desvio funcional e obtiveram seus direitos reconhecidos.

1. De operadora de caixa a gerente assistente

  • Funcionária bancária que foi contratada como operada de caixa, mas que durante todo o período nunca ocupou o guichê de caixa, mas atuava na abertura de contas, suporte a gerentes e participava de Comitês de Crédito
  • Recebeu diferenças salariais de R$2.000,00 mensais pelos 5 anos não prescritos
  • Reflexo das diferenças em descanso semanal remunerado, férias com 1/3, 13° salários e FGTS
  • Tribunal determinou a anotação da função correta na CTPS

2. De engenheira ambiental a gerente de obra

  • Realizava pagamento de funcionários, contratação de serviços terceirizados, era responsável pela aquisição de insumos e guarda de equipamentos
  • Testemunhas confirmaram as atividades gerenciais
  • Recebeu gratificação de função de 40% sobre seu salário efetivo e pagamento de diferenças salariais
  • Tribunal determinou alteração do registro na CTPS

3. De ajudante de produção a auxiliar de gerente

  • Inicialmente contratado como ajudante, mas atuava como operador de máquinas
  • Posteriormente exerceu função de auxiliar de gerente de produção
  • Após afastamento médico, foi rebaixado de função
  • Recebeu diferenças salariais desde a admissão com reflexos no FGTS + 40%

4. de gerente comercial a gerente geral

  • Contratada como gerente comercial, mas que, por períodos distintos, exerceu as atribuições de gerente-geral em agências bancárias
  • Testemunhas confirmaram o exercício da função superior
  • TRT-MG reconheceu o direito às diferenças salariais

5. De técnico de processo a supervisor

  • Coordenava todos os funcionários do setor de montagem e abastecimento
  • Testemunha confirmou que estava subordinada ao reclamante
  • Juíza determinou o pagamento de diferenças salariais e reflexos
  • Empresa foi obrigada a retificar a CTPS para constar a função de supervisor

6. De auxiliar de segurança a técnico de segurança

  • Mesmo sem certificado técnico, desempenhava todas as atividades da função superior
  • Tribunal reconheceu o desvio mesmo sem o empregado possuir diploma ou certificado e entendeu que a empresa se beneficiou do trabalho em nível técnico
  • Foi determinado pagamento do salário adequado ao cargo efetivamente exercido

7. De servente de limpeza a auxiliar administrativo

  • Caso julgado pela 9ª Turma do TRF1 contra a Fundação Universidade Federal de MT
  • Aplicada a Súmula 378 do STJ: “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes”
  • Trabalhador recebeu diferenças salariais e reflexos em férias e 13º salário
  • Tribunal destacou que não pagar configuraria “enriquecimento ilícito da Administração”

8. De frentista a operador de caixa

  • TST manteve decisão que condenou posto a pagar diferenças salariais
  • Tribunal entendeu que as atividades não são compatíveis
  • Fotos juntadas ao processo mostravam o frentista operando o caixa
  • Determinado pagamento de gratificação de 10% sobre o salário

Desvio de função é crime?

O desvio de função não é classificado como crime no sentido penal do termo, mas constitui uma infração trabalhista grave. Trata-se de uma violação às normas da CLT e aos princípios que regem as relações de trabalho.

Quando uma empresa pratica o desvio de função, ela está sujeita a penalidades administrativas e obrigações de reparação na esfera trabalhista. Isso inclui:

  • Pagamento de diferenças salariais;
  • Reflexos em férias, 13º salário, FGTS e outras verbas;
  • Indenizações por danos morais em casos mais graves.

Embora não seja um crime, a prática é considerada uma forma de enriquecimento sem causa por parte do empregador, que se beneficia de um trabalho mais qualificado sem pagar a devida contrapartida. 

Em casos extremos, quando o desvio causa danos significativos ao trabalhador, como exposição a riscos ou prejuízos à saúde, podem ser aplicadas penalidades mais severas à empresa.

Mulher feliz com a Carteira de trabalho atualizada.

Saiba seus direitos e o que pode ser reivindicado

Se você exerce funções diferentes daquelas para as quais foi contratado, recebendo um salário inferior ao devido, pode estar sofrendo desvio de função. 

Caso esse desvio seja reconhecido, seja pela empresa ou judicialmente, você tem direitos trabalhistas garantidos e pode reivindicar reparações financeiras. Confira os principais direitos assegurados:

  • Diferença salarial retroativa: Você tem direito a receber a diferença entre o salário pago e o correspondente à função que realmente exerceu, considerando os últimos cinco anos antes da reclamação.
  • Impacto em outras verbas trabalhistas: A correção do salário afeta benefícios como 13º salário, férias acrescidas de 1/3, FGTS (incluindo a multa de 40% em caso de rescisão), horas extras e contribuições previdenciárias.
  • Indenização por danos morais: Em casos de sobrecarga excessiva, constrangimento ou prejuízo emocional decorrente do desvio de função, pode haver direito a uma indenização por danos morais.

Desvio de função no trabalho: como agir

Se você identificou que está em situação de desvio de função, aqui estão alguns passos práticos para proteger seus direitos:

1. Documente tudo

    Guarde e-mails, mensagens ou qualquer comunicação que comprove suas atividades reais. Se possível, mantenha um registro detalhado de suas funções diárias, pois o ônus da prova cabe a quem alega o desvio.

    2. Converse internamente

      O primeiro passo é tentar resolver a situação internamente. Converse com seu superior ou com o departamento de RH para entender se há possibilidade de regularização da sua função ou ajuste salarial.

      3. Busque orientação especializada

        Se a situação persistir, procure orientação jurídica especializada para avaliar seu caso específico. Em muitos casos, pode-se resolver a situação sem necessidade de processo judicial, mas é importante conhecer seus direitos e as melhores estratégias para seu caso.

        4. Considere os prazos legais

          Lembre-se que a reclamação de direitos trabalhistas prescreve em cinco anos. Assim, mesmo que você tenha trabalhado em desvio de função por mais tempo, só poderá pleitear as diferenças referentes aos últimos cinco anos de trabalho.

          Conclusão

          O desvio de função é uma prática irregular que ocorre com frequência no mercado de trabalho brasileiro. Quando você passa a exercer atividades diferentes daquelas para as quais foi contratado, sem a devida formalização e compensação, seus direitos trabalhistas estão sendo violados.

          Identificar corretamente essa situação é o primeiro passo para proteger seus direitos. Lembre-se que os elementos caracterizadores incluem a permanência da atividade, a diferença substancial entre as funções, a ausência de remuneração adequada e a falta de formalização contratual.

          Para mais informações sobre seus direitos trabalhistas ou para uma análise personalizada do seu caso, entre em contato com um nossos especialistas.

          Foto de Priscila Arraes Reino
          Priscila Arraes Reino
          Advogada previdenciária e trabalhista especialista em doenças ocupacionais e Síndrome de Burnout. Formada em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco (2000). Sócia fundadora do Arraes & Centeno Advogados Associados. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e Pós-Graduada em Direito Previdenciário. Palestrante (OAB/MS 8596, OAB/SP 38.2499 e OAB/RJ 251.429).

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